domingo, 20 de dezembro de 2015

Fora do mundo




Sob a paisagem noturna sinto o avesso da pele. Subtraio na imensidão vaga das horas a memória febril. Distancio para chegar mais perto do meu lar, aquele que habito, aquele que constrói, aquele que avisa que haverá um futuro confortável caso me jogue na aspereza da solidão. Haverá um mesmo idioma, uma mesma linguagem, uma mesma manta onde me escondo do ruído constante da maldade.

Habito o lugar onde estão todos os medos, a soma das cicatrizes que marcam e não aparecem, que doem e ninguém sabe. 

Dentro, por dentro, sob a pele, sob o sangue.

Viajo para este lugar que não existe.

Esqueço de mim, me abandono, vejo flutuar as palavras que transpassam as linhas horizontais. Inalcançável. 

Meu nome é longe.

Perco a bússola, sigo o vento, aviso a chegada da primavera, caio como o sol que se põe todos os dias, espalho pelas minhas mãos a chuva à espera da terra.

Assim, sutil como o eterno, inevitável como o sonho, delicado como o fim, escuro como a tempestade que subverte os céus e proclama sua morada, encontro a cartografia repleta de sinais, sons, mistério. Cubro todos os espelhos e os viro contra a parede. Aprendo a esquecer.

Nesse mundo submerso resgato as palavras, aquelas que exilaram-se, aquelas que carregaram com toda a intensidade a certeza das manhãs inundadas de poesia.


Imagem: Obra de Francisco Faria. Mares do Levante
Publicado na Revista Ideias/dez 2015

domingo, 8 de novembro de 2015

Nada mais claro que o esquecimento

Esquecer de você faz esquecer-me de mim. Faz passar para outra margem do tempo onde eu não vejo mais flores, onde não ouço mais música, onde meu sonho encontra outra paisagem.

Assim que abro os olhos.

Tudo começa antes da tempestade, quando vem o vento oblíquo que corta meu rosto com seus segredos perto dos meus cílios.

Fecho os olhos.

Para voltar àquela cena em que te olhava infinitamente até adormecer. Encontro o tempo em que andávamos sem rumo, de mãos dadas, à espera do anoitecer.

Imensamente frágil. Violentamente doce.

Quando percebo que acabou.

Nada mais claro que o esquecimento.

Esqueci uma parte minha, esqueci uma rima, esqueci de como eram seus olhos. Esqueci do seu cheiro. Da mesa, do ritmo, da dúvida.

Suspensa no ar.

O reflexo do sol queima minha retina, minha pele, espalha pela aridez da memória os segundos do tempo. Seguro isso como grãos de areia nas mãos fechadas.

Dissolve, voa , esvai.

Sinais do outro hemisfério, da longa trilha que se percorre sozinho.

Um oceano se abre. Sinto a chuva escorrer sobre meus cabelos. Mergulho dentro dos meus olhos, eles são a minha chegada a um novo mundo.

Voltei à tona, catei as conchas no caminho, lembrei de mim como um sonho que chega ao fim.


Publicado na Revista Ideias- novembro 2015

quinta-feira, 29 de outubro de 2015



"Censura, eu não tenho nenhuma. A minha proposta é, justamente, a anticensura. Coloco em minha obra todas as máscaras possíveis: o sórdido, o imundo, o terrível. Todas as caras horrorosas, as vergonhas. A proposta é esta: de colocar tudo. Então, não há censura."

Hilda Hist

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Não existe mais lugar algum



A paisagem inverteu, o sol caiu, o mar inundou os olhos. Não existe mais lugar algum. Acabou. O imaginário mudou para sempre, a criança estendida na praia vai continuar ali, trazida pelas ondas, levando para sempre a delicadeza. Não seremos mais iguais diante disso. Ou espero que não.

Partimos para outro hemisfério, aquele que não cria raízes, aquele que não aprendeu a andar, aquele que ficou completamente surdo e cego, aquele que não tem chão, nem cama, nem sonho.

Antes ficasse para sempre a imagem da criança, do mar, do sol ligada à certeza, à esperança, à alegria. Antes chegasse pelas marés o sorriso, a leveza, a ventania. O deserto invadiu o mar. O mar cessou a poesia. As ondas refletem o céu.

Não há redenção. Não há salvação. Existe apenas o abandono, a tristeza, a devastação. Nessa terra sem bússola, sem margem, sem saída, partimos para lugar algum, seguimos blindados enquanto as crianças chegam trazidas pelas marés.


Publicado na Revista Ideias/outubro

sábado, 26 de setembro de 2015

Entre os loucos e os bem-sujos, de repente, cara, você é mais um. Não adianta lembrar que você é íntimo da delicada poesia de Florbela Espanca e que, mais de uma vez, o prodígio de suas noites foi construído a partir de madrugadas sóbrias, a fumo, bombons e Jorge Luis Borges.”

Wilson Bueno.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

seu nome estranho




Não consigo pronunciar seu nome. Não porque seja difícil, seu nome é comum, mas toda vez que te chamo parece que esqueço e procuro outro nome. Memorizo, soletro, falo em voz alta, mas nada me alivia da sensação de estranhamento.

Esse ruído transpassa os contornos imprecisos da abstração. Não é palpável, não é concreto, não é real, mas ali existe algo que sussurra, assopra, avisa. Te chamo por outro nome. Você não gosta. Repito que não vai mais acontecer. Acontece. Sinal, superstição ou naufrágio? Quem sabe. Apenas quem sobrevive aos desastres pode contar o que viu.

Percebo o erro, o desconcerto, o deslocamento. Vem à tona as memórias ancestrais das palavras e o que elas carregam consigo. Como se fossem bússolas que avisassem que o mar está revolto, que o tempo muda de uma hora para outra, que há nuvens que chegam pesadas e fecham céus iluminados.

Continuo a pensar no seu nome estranho, seu nome indecifrável, seu nome miragem. Um dia vou conseguir dizê-lo no escuro, letra por letra, sem nenhuma dúvida que ele é realmente o seu nome. Mas, por enquanto, te chamo por esse nome estranho.

Publicado na Revista Ideias setembro 2015

sábado, 15 de agosto de 2015

Ponta-seca e metal

A fotografia estava em cima da mesa. Estava solta no ar, na paisagem, na escada que dá para a sala, na varanda, naquela esquina escorregadia, no vão, na margem. A imagem em sépia, surrada, suja. Sombras de ontens, de manhãs geladas, de cafés amargos, de jornais amarelados, do gosto da sua boca quando o beijo vem lento, suave, quase um futuro do pensamento.

Congelo esse instante para que permaneça em meus sentidos, no cheiro e na pele. Fotografo sua boca, te trago perto da imensidão das horas, escuto sem querer as batidas compassadas do seu coração.

Seu pulso é meu ritmo, sua pele meu fim, seu sonho interroga meu sim. 

Asas de pássaro que não alcançam o chão, que não pisam o solo, que não sabem o que é terra porque está imerso no céu, porque inventou uma nuvem, porque é assim, um passo lento, um gesto para mim. 

Em seu branco e preto me permito ser matriz, ser as pazes da noite eterna, ser a prova de ser feliz. Porque és só e eu sou só, porque tem medo, porque me acorda nos pesadelos, porque me alivia dos desesperos, porque com as cores não seria intenso, porque escreve-me como se fosse seu mapa, marca sua chegada e sua partida, seus sóis e as marés revoltas em frases interrompidas.

Não me deixe abandonar sua morada, ensine-me a tecer as teias, devora-me com os talheres certos.

Dilua-me em água forte, nas matizes, crie uma incisão, ponta-seca e metal. 
 
Do avesso surge outro universo, subtrai o excesso, emerge o mar contínuo no seu olhar sem fim.


Para a Revista Ideias/ago2015

domingo, 5 de julho de 2015

Toureia-me




“Tourear ou viver como expor-se, expor a vida à louca foice*”, sentencia João Cabral de Melo Neto. Espetáculo mortal, geometria e precisão, atravessamento fatal do movimento. Palavra-seca, palavra-arena, palavra-mar, palavra-animal, palavra-sol, palavra-arma. Submeter a escrita ao deslocamento, fazer com que a palavra sangre diante dos olhos.

Balé indecifrável de gestos, respiros, chão. Fazer a poesia bailar no ar e ceifá-la, marcá-la, reparti-la.
O matador domina a paisagem, veste-se com cores fortes e tecidos justos, segue com os ombros ávidos, matemáticos. Na arena, quando seus olhos estiverem mergulhados no ritmo seco, conduzirá a dança mortal.

Nascerá assim o idioma ancestral, a caligrafia com os nervos expostos, a pele queimada de tantos sóis. 

“onde foi palavra
(potros ou touros
contidos) resta a severa
forma do vazio**”

Viver é tourear, escrever-lhe sobre a terra batida, como se nada mais houvesse além de seu silêncio.

Toureia-me.



*trecho de “Lembrando Manolete”, de João Cabral de Melo Neto
**trecho de “Psicologia da composição”, de João Cabral de Melo Neto


Publicado na Revista Ideias julho 2015

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Magnitude 7.7



Obra de Jackson Pollock


Estavam de frente um para o outro quando houve o estalo. Como quando constroem um prédio muito alto perto de uma casa antiga e vê-se a sombra projetada no chão como um gigante. Só quando estáa uma distância longa percebe-se que aquilo tornou-se avassalador, monstruoso, com uma dimensão incalculada.Depois da demolição, depois do colossal efeito nocivo, depois da devastação na paisagem estática.


O mundo virou de cabeça para baixo.


Cansei de ouvir aquelas palavras, não me diziam nada. Quando você estava perto, destilava seus venenos gota por gota, até consumir todo meu mal. Doses de gelo e delírio.Era uma espécie de morte, dessa que se vai aos poucos, definha-se, transforma-se em pesadelos. Minha pele criou caminhos, fendas, incisões. Apesar disso, ainda pulsava. Não era mais eu, mas uma parte que não queria ver, que não enxergava, que não valia a pena. Que veio à tona com toda a força que lutei para não emergi-la. Mas ali, refletida numa espécie de espelho invertido, estava eu. Cansada, apagada, confusa. Olhei essa imagem para tentar me aproximar de algo que desconhecia,como se fosse alguém desprezível eque rejeitava profundamente. Essa parte sou eu, que você criou, que você atacou ferozmente com seus olhos de cão. Apenas quando me afastei percebi o cenário, após a tempestade, após suas horas na minha memória.


O abalo sísmico revelou a amplitude da devastação.


Reconstruí minhas linhas, a cada mão, refiz meus passos, sonhei novamente com leveza, caí no choro, caí de novo, dancei para mim. Continuei com essa dor, como se traz a cicatriz para perto, para poder vê-la e lembrar de que algo existiu, e que não foi em vão.


Ficaram apenas os arcos das linhas das minhas mãos, da vertigem de olhar ao longe e perceber que existeuma luz que incide na sombra, que um dia algo forte me dissipou, me partiu, me carregou com sua fúria para um país que não existe, todavia não mais o habito.


Inventei um novo idioma, rabisquei no meu corpo um mapa para não errar o caminho, criei uma paisagem solar, dancei no escuro e fechei os olhos num rodopio quase lento, para lembrar de mim.


Publicado na Revista Ideias junho 2015

sábado, 23 de maio de 2015

Cultivar o deserto
como um pomar às avessas:


então, nada mais
destila; evapora;
onde foi maçã
resta uma fome


onde foi palavra
(potros ou touros
contidos) resta a severa
forma do vazio


João Cabral de Melo Neto

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Meus olhos profundos são seus



Naquele instante o mundo ficou suspenso, como se todas as manhãs congelassem para sempre. Os ventos de abril sopravam como se precisassem avisar sobre o futuro. Cada folha caída espalhava pela rua sua certeza e esperança. Como se houvesse uma saída, uma salvação, um canto que pudesse fazer você passar com suavidade pelos espinhos, que te trouxesse o mar, essa noite líquida que transforma os sonhos. Lhe mostro a delicadeza da chuva, leio o silêncio nas suas pálpebras fechadas, invento um idioma único, vejo o céu tingido de rubro. 

As cicatrizes são a história da memória, das tempestades ferozes, da calmaria paralisante após o cansaço. Percorro toda a cartografia das suas linhas enviesadas para desenhar meu rosto.

Meus olhos profundos são seus.

Olho para o céu novamente, o tempo suspenso ficou cravado naquela manhã. Afinal, ainda era abril e suas manhãs são intermináveis.

sábado, 18 de abril de 2015

O nome daquilo que não existe



Imagem: Obra de Marcelo Conrado


Rabisco seu nome no pulso. Desenho suas linhas no papel, escrevo seus olhos, faço uma incisão no seu pulso, percorro o contorno das suas mãos, marco com tinta a pele que foi tantas vezes a prova do que se viveu. Caligrafia de tantos respiros, silêncios, palavras tremidas, fôlegos soltos.

A brisa que sopra da janela avisa a partida. A música para de tocar no momento em que você sai pela porta que tantas vezes entrou e inundou a sala da minha casa de frases, cansaços, porquês, senãos.

O esboço, o traço, o risco apagaram-se aos poucos, como água que cai no papel e borra o que estava lá – impresso, escrito –feito pelas minhas mãos. Suas linhas ficaram invisíveis, já não lembro como são seus cílios, não lembro das suas costas, nem de como eram suas pálpebras fechadas. Esqueci de você para lembrar de mim.

Seguro as cicatrizes dentro das palmas fechadas, finco as unhas dentro das mãos, sinto que dessa maneira guardo o ar que existiu. Quando sonho as expedições abissais da memória trazem à tona o mar repleto de peixes coloridos, dos sorrisos vastos, do porto seguro ao encostar o queixo no seu ombro, de fechar os olhos e cair, cair, cair. Quando de repente, desperto. O susto monumental de acordar e perceber que nada disso existe. A nitidez dessas coisas que não têm nome, não têm cheiro, não têm mais sentido. São apenas aqueles malditos contornos que um dia tiveram forma, cor, cheiro, um alívio na imensidão das horas tingidas com a tua história.

Publicado na Revista Ideias/abril 2015

domingo, 22 de março de 2015

Irreversível



Acordo com a sensação de água salgada na pele. Nada vai aliviar, nem apagar, nem diluir. O pensamento é cortado por frases, respiros, reviravoltas de gestos. A palavra fere a linha imaginária das superfícies, divide os hemisférios, inventa outro idioma. Sou agora o que eu nunca ousei, o que está na memória, o que um dia lembrei por acaso. Por acaso ou na matemática precisa do córtex cerebral.

Assopro bem suave na sua nuca, deixo você sentir saudade, o gosto do futuro imperfeito. Faço planos para que não fujas, te vigio com meus olhos de pássaro, crio música, lhe mostro no espelho seu sorriso. Aviso-lhe por pistas que esqueci de mim, faço o percurso das suas mãos, caio na escuridão do abismo sem fim. Escreva-me, percorra-me, anoiteça-me, jogue os dados com os olhos fechados. Desenhe-me com sua caligrafia indecifrável, rústica, em letras minúsculas.

Sento na frente do rio onde passávamos horas olhando o mesmo horizonte, onde escrevia na areia enquanto você mergulhava no mar, onde deitava e olhava as nuvens que se formavam em diferentes desenhos no céu enquanto você lia alguma coisa e comentava comigo em voz alta. Prestava atenção em cada silêncio seu, conseguia ler em seus cílios a angústia e a melancolia. Podia ver por seus olhos.

O diálogo inicia-se com perguntas e termina sem respostas, com mais dúvidas. Entro nesse labirinto sem volta, me consumo ao pensar que isso terá um fim, e, quando chega, aniquila.

Toda essa ausência é minha, apenas segurei na sua mão para que me levasse, apenas toquei na sua pele para ser um pouco minha. Traduzi-me em seus sonhos para não te perder, nem no plano abstrato, nem em outro mundo, nem no voo cego, atenta ao equilíbrio do viés da calçada com os braços abertos para não cair.

Irreversível, como uma palavra sem volta, como um rio que corre, como o sol em meus olhos.


Publicado na Revista Ideias/março 2015

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Das dedicatórias encontradas nos livros





Quando tudo acaba, o cheiro fica. O cheiro que vem do mar, da música, da roupa caída no canto da sala. Memória tingida de rubro em espirais de fôlegos soltos, em palavras breves encolhidas no silêncio, nas linhas marcadas das mãos, na matemática abstrata das horas.

Tempo esvaído na pele, suave como o vento que sopra, como o céu que ignora. Preciso dos segundos cravados nas suas esquinas, do medo de dizer qualquer coisa que faça parar de ser o que sempre deveria existir. 

Pense em algo que você consiga ver o final, você me diz. Não como futuro, porque sei que você não acredita, mas como uma fórmula, uma estrutura, quase uma hipótese. Não creio em hipóteses, respondo. Apenas no que vejo e o que possa ser palpável, concreto, visível. Como o chão de tacos e o cinzeiro cheio. E a cortina da janela que dança ao redor da cadeira bordada onde sempre me sento para ler à noite. 

Meu teorema não permite o planejamento, por isso me surpreendo sempre com o improvável, com o inesperado, com a dedicatória escrita– para alguém que nunca saberei quem é –no livro achado no sebo. Estas palavras escritas com amor são o concreto e o palpável. Nada poderia ser mais real que isso. E é nisso que acredito, concorde você ou não. São naquelas linhas, nos livros perdidos, doados, esquecidos, que estão aquilo que buscamos uma vida toda, aquilo que um dia pensamos como algo que conseguimos ver o final, como você diz.

Quando tudo acaba, o cheiro fica– você devolve. E isso é uma espécie de futuro.


Publicado na Revista Ideias - fevereiro 2015

sábado, 31 de janeiro de 2015

sábado, 10 de janeiro de 2015

Animal acossado






Como um animal acossado, que espera em silêncio a hora do ataque, a matemática exata para mover-se, o momento preciso da distração para alcançar a presa, percebo apenas a frequência, a pulsação, o ritmo. A diferença está na frequência. Na frequência cardíaca, na frequência da pausa, na frequência de olhar para as coisas durante o mesmo tempo. O ruído acontece quando este ritmo é mais lento ou acelerado. Principalmente mais alto. Quando se fala mais alto, quando se pensa mais alto, quando se cala mais alto.


Houve um tempo onde existiam répteis alados, pássaros gigantes, dias que são noites, tempestades solares, chuvas de meteoros, cataclismo. A grande colisão causou um outro universo. Inventou-se uma nova vida, humanos surgiram para sobreviver em meio ao caos.


Paisagem invadida de memórias, solos úmidos e um novo idioma. Criou-se a palavra, o sentido da fala, o código central. Subtraiu-se o gesto, a espera, o olhar flechado na mesma direção. O entendimento traduzido pela pele.


O esboço dos primeiros contornos, pálidos, imprecisos, surge na paisagem oceânica das horas da manhã. O sol cai esparramado nas peles curtidas, nem tão acostumadas nem desconhecidas. Imóvel, como se paralisada pela superfície áspera, acompanho o nascimento e o declínio de um dia solar. Ali está apenas o presente, sem futuro nem passado.


Volto ao antigo mundo, onde havia seres fantásticos, cores distintas, pulsação, ritmo, frequência. Na batida do coração, reinvento o idioma, respiro no silêncio, espero entre as frestas a hora certa para correr.

Publicado na Revista Ideias  janeiro/2015

Mar alto   Mergulhar em mar alto, sonhar em águas profundas.   Transformar o abismo em ponte para navegar sem turbulência, para prov...