sábado, 23 de maio de 2015

Cultivar o deserto
como um pomar às avessas:


então, nada mais
destila; evapora;
onde foi maçã
resta uma fome


onde foi palavra
(potros ou touros
contidos) resta a severa
forma do vazio


João Cabral de Melo Neto

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Meus olhos profundos são seus



Naquele instante o mundo ficou suspenso, como se todas as manhãs congelassem para sempre. Os ventos de abril sopravam como se precisassem avisar sobre o futuro. Cada folha caída espalhava pela rua sua certeza e esperança. Como se houvesse uma saída, uma salvação, um canto que pudesse fazer você passar com suavidade pelos espinhos, que te trouxesse o mar, essa noite líquida que transforma os sonhos. Lhe mostro a delicadeza da chuva, leio o silêncio nas suas pálpebras fechadas, invento um idioma único, vejo o céu tingido de rubro. 

As cicatrizes são a história da memória, das tempestades ferozes, da calmaria paralisante após o cansaço. Percorro toda a cartografia das suas linhas enviesadas para desenhar meu rosto.

Meus olhos profundos são seus.

Olho para o céu novamente, o tempo suspenso ficou cravado naquela manhã. Afinal, ainda era abril e suas manhãs são intermináveis.

Mar alto   Mergulhar em mar alto, sonhar em águas profundas.   Transformar o abismo em ponte para navegar sem turbulência, para prov...