quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

O avesso do tempo






Vive-se este tempo sem hora. Este tempo algoz e insano, este tempo feroz e desumano, este tempo seco e quente, este tempo limite, este tempo para fora. Perdeu-se a metade de tudo, foi-se, acabou, como se acaba tudo a toda hora. Em outro tempo havia calma, esperança, alguma alegria. O profundo não é tristeza, não é miséria e sim abraço, ternura, paisagem, mar, música. Vestir o tempo e costurá-lo com bordados feitos à mão, rendas, segundas peles, cristais. Vesti-lo de lilases, cores, veludos. O tempo feito de delicadeza, de terra molhada, de sabor de chuva.

Tempo cão, tempos vorazes, tempo com olhos de pássaros noturnos, tempo de precisão. Tempo onde o cansaço arrebatou a dor, onde a cavidade dos vãos se transforma em poesia, onde a sua mão pousou na minha.

Tempo de espera, de lágrimas pausadas, de derreter as manhãs, de anoitecer os cílios, de qualquer outra coisa que não seja chão. O chão derrama sangue.

Tempo cravado na pele, tempo gasto, tempo perdido, tempo partido. 
 
Descobrir o tempo sem razão, sem lástima, sem cálculo. Correr atrás deste viés, desta dobra que virou e não se enxerga mais. O tempo dentro da concha quando a encostamos no ouvido, o som do tempo abissal, entrar no labirinto da memória. Enquanto não encontrar, esquecer o tempo que traz dor, sorrir e fazer este tempo ser para sempre.

Publicado na Revista Ideias/dezembro 2014

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Na pele



Ophelia /1851 (John Everett Millais)

O silêncio habita meu lar, denuncia a angústia do esquecer, de passar à memória e pausar na pele para virar cicatriz. São as esquinas, são as dobras do tempo, são as palavras que não bastam, são aquilo que não tem nome. Depois da tempestade vem o seu rosto, vem a saudade do futuro, o som de algum lugar que existiu. A paisagem perpetua minha espécie. Há um céu disposto a ouvir as preces, há a embriaguez constante do andar a esmo, a vaga lembrança do anoitecer.


Chove. Tudo sem hora. Suspenso. Dias assim que são noite. Noites que viram água. Água que cai na pele. Salgada. Crua. Silêncio. A não ser pelas gotas, pesadas e grandes. Ouço risos ao fundo com música. Nada sai do lugar. Crio uma espécie de asa nessas horas lentas que não se repetem. Algo além do mar está na minha vista, mas não vejo. Persigo isso como se fosse o fogo. Como se fosse um pulo para o outro lado da ponte, do outro lado da margem. Na margem oposta. Carrego essa sensação de tristeza com tranquilidade. Por dentro tudo salta. Por fora, placidez. Caso fosse um destino, um sinal ou rima.


Faço essa incisão na pele, corto, abro uma fenda, espalho dentro da epiderme um oceano de palavras insulares, ventos fortes, verbos líquidos, olhos úmidos. Penso em partir, como se não estivesse mais em mim. Esqueço-me, anoiteço e nasço para poder enfim despertar de novo.


Dobro a folha que escrevi para que alguém descubra no viés da dobradura linha por linha a palavra prestes a ser reinventada. Suave como aquele lugar onde somos felizes, onde pisamos forte na terra, onde sentimos na pele quente a tempestade que chega.



Publicado na Revista Ideias - nov 2014

terça-feira, 25 de novembro de 2014

O silêncio habita meu lar, denuncia a angústia do esquecer, de passar à memória e pausar na pele para virar cicatriz. São as esquinas, são as dobras do tempo, são as palavras que não bastam, são aquilo que não tem nome. Depois da tempestade vem o seu rosto, vem todo esse futuro do passado, o som de algum lugar que existiu. A paisagem perpetua minha espécie.
Há um céu disposto a ouvir as preces, há a embriaguez constante do andar a esmo, a vaga lembrança do anoitecer. Chove. Tudo sem hora. Suspenso. Dias que são noite. Noites que viram água. Água que cai na pele. Salgada. Crua. Silêncio. A não ser pelas gotas, pesadas e grandes. Ouço risos ao fundo com música. Nada sai do lugar. Crio uma espécie de asa nessas horas lentas que não se repetem.
Algo além do mar está à minha vista, mas não enxergo. Persigo isso como se fosse o fogo. Como se fosse um pulo para o outro lado da ponte, do outro lado da margem. Na margem oposta. Carrego essa sensação de tristeza com tranquilidade. Por dentro tudo salta. Por fora, placidez. Caso fosse um destino, um sinal ou rima.
Faço uma incisão na pele, corto, abro uma fenda, espalho dentro da epiderme um oceano de palavras insulares, ventos fortes, verbos líquidos, olhos úmidos. Penso em partir, como se não estivesse mais em mim. Esqueço-me, anoiteço e nasço para poder enfim despertar de novo.
Aterrisso, decifro os sonhos, abro os olhos.
Dobro a folha escrita para que alguém descubra no viés da linha a palavra reinventada.O mundo permeia meu instante no momento que o sol se abre, infinito, para o horizonte febril. Suave como aquele lugar onde somos felizes, onde pisamos forte na terra, onde ouvimos a tempestade que chega, onde a pele é perto, não mais longe. - See more at: http://www.revistaideias.com.br/?/colunistas/96/marianna-camargo/#sthash.hOudwAta.dpuf

domingo, 2 de novembro de 2014

Sol em meus olhos





“Assim como o sol em meus olhos.” A primeira coisa que percebi quando permaneceu em mim a sensação de algumas cenas impressas na memória. Memória e sonho. Sonhos que não terminam nunca. Acordo com aquele peso nos cílios que avisa que será tudo igual, nada mudou. Instinto que insiste em lembrar que existe. Embora tente esquecê-lo. Vem à memória, já gasta, ofuscada e confusa, uma imagem, uma vertigem, uma miragem. Que se repetirá incessantemente.

Uma delas é do filme Paris, Texas – direção de Win Wenders (1984) – com Nastassja Kinski, Harry Dean Stanton, trilha de Ry Cooder e roteiro de Sam Shepard. O drama vivido por Travis (Dean Stanton) permeou para sempre meu imaginário. Seu amor por Jane (Nastassja Kinski) era algo completamente real e ao mesmo tempo impossível. Sua tristeza por sabê-lo estava impressa em seus olhos. O clima árido, desértico, vazio tornava tudo muito mais intenso, violento e doce. Algumas cenas são inesquecíveis, como quando ele a reencontra em um lugar onde ela trabalha como stripper e conversam através de uma cabine de vidro pelo telefone. 

Ela não conseguia vê-lo. Ele sim. Quando Jane percebe ser Travis do outro lado do vidro, diz lentamente:

“Eu costumava conversar a sós com você depois que você partiu. Eu costumava falar com você o tempo todo, mesmo estando sozinha. Conversei com você por meses a fio. Agora não sei o que dizer. Era mais fácil quando eu apenas o imaginava. Eu até imaginava que você me respondia. Tínhamos longas conversas. Só nós dois. Era como se você realmente estivesse comigo. Eu o via, sentia seu cheiro. Eu podia ouvir sua voz. Às vezes sua voz me acordava. Acordava-me no meio da noite, como se você estivesse no quarto comigo. Depois, isso foi lentamente acabando. Já não podia mais imaginar você. Tentei falar em voz alta com você como sempre fazia, mas não havia nada lá. Já não podia mais ouvi-lo. Então eu apenas desisti. Tudo acabou. Você simplesmente desapareceu”.

O mundo ficou suspenso, o tempo parou por horas. Pausa na paisagem voraz.

Território não habitável, terra inóspita, outro hemisfério. O deserto de Travis e seu silêncio. As linhas da sua mão migraram para a minha. Profundas como a pele.

Sinto as pálpebras pesadas, abro os olhos, vejo apenas o sol que entra em minha retina como brasa. Grãos de areia se dissipam com o vento. Brancos.


O que fica impresso, o que está na memória não se apaga. Nem com ferro e fogo. Nem por nada. Cicatriz, ferida, delicadeza ou algo que possa chamar de insanidade – ou amor. Não seriam a mesma coisa? Tão perto, tão longe. Tão real e tão triste. Forte como o sol do meio-dia. Quase febre. Quase insolação.

Publicado na Revista Ideias outubro 2014

sábado, 27 de setembro de 2014



“Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra.”


"Então me vens e me chega e me invades e me tomas e me pedes e me perdes e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca para libertar novas histórias e outra vez me completo assim, sem urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque assim que és..."

Caio Fernando Abreu

domingo, 21 de setembro de 2014

O dia em que encontrei Cortázar





Viajo para um país que via apenas em sonhos, e, como tal, pensava não existir. O lugar onde viveu até os 37 anos o escritor que fez com que eu acreditasse no que percebia e, portanto, confirmava minhas sensações e certezas. Abriu-se nesse momento para mim um labirinto de ideias, palavras, sons. A vida deu um salto, aproximou-se, rendi-me àquele abismo, fundamental para fortalecer a espinha dorsal da minha escrita, sentir o som da tempestade à noite, reparar que o intervalo entre uma onda e outra leva sete segundos.


Refiz, todavia, os passos de cada cena, a frase de cada pensamento, a audição e o olfato atentos para os ritmos e cheiros. Percorri, sem prestar atenção nos mapas, as ruas por onde ele andava, os cafés que frequentava. O que ele percebia naquele céu, naquela porta, nas fachadas cinzas, nas calçadas melancólicas e nos ventos sem fim? Vi nessa paisagem, no gesto do homem ao servir café, nos casacos com mãos nos bolsos, no humor à Almodóvar das mulheres portenhas, todos os passos desse homem-gigante. Não o perseguia, o percebia nas frestas, nas névoas, no filtro da luz azul que paira pela cidade. Assim como Horacio Oliveira, o protagonista de O jogo da amarelinha:“E era muito natural eu atravessar a rua, subir as escadas da ponte, dar mais alguns passos e aproximar-me da Maga, que sorria sempre, sem surpresa, convencida, como eu, de que um encontro casual era o menos casual em nossas vidas e de que as pessoas que marcam encontros exatos são as mesmas que precisam de papel pautado para escrever ou que começam a apertar pela parte de baixo o tubo de pasta dentifrícia”.


Era celebração do centenário de seu aniversário, 26 de agosto, e dei a sorte de estar ali, ao lado, nas prateleiras empoeiradas dos sebos, nas livrarias sofisticadas, nas mãos distraídas, no sorriso da velhinha que tomava sol no banco da praça, no imprevisto de assistir a um concerto de jazz. E de repente ouvir “Insensatez”.“Para mim, o fantástico era perfeitamente natural. Eu não tinha a menor dúvida disso. Assim eram as coisas”, dizia ele.


Li em uma revista há alguns anos– por acaso, como ele gostava de mencionar– uma reportagem que narra sua última viagem a Buenos Aires, em 1983 (Cortázar residia em Paris, onde morava desde 1951). Estava com 69 anos e sintomas da doença que o matou em 1984. Lá no último parágrafo estava escrito: “Na avenida Corrientes, uma moça deu-lhe um ramo de flores. Ele sentiu o perfume e comentou: Jasmim com esta fragrância não existe em nenhuma outra parte.Um companheiro de exílio levou-o até a porta do hotel, e o viu caminhando para o elevador. Estava visivelmente cansado, mas feliz, e levava nas mãos o ramo de jasmins”.


Sem saber até então da existência desse fato, lembrei-me – surpresa – que havia escrito um texto que dizia no final: Intensidade e delicadeza são flores de jasmim, talvez Cortázar sentisse assim.


Sim, Julio, o mistério está sempre entre as coisas.


Na esquina, antes de nos despedirmos, Cortázar diz: “A literatura é assim – um jogo, mas um jogo no qual a gente pode colocar a própria vida. Pode-se fazer tudo por esse jogo”.


Já o havia encontrado, apenas confirmei em meus passos esta certeza, percorrendo seus ritmos pelas ruas de sua cidade. Entre o planejamento e o acaso, vivemos. Entre o saber e o sentido, Cortázar.


Publicado Na Revista Ideias - setembro 2014

sábado, 20 de setembro de 2014









Dias desses revi “Paris, Texas”, filme de Win Wenders (1984) com Nastassja Kinski , Harry Dean Stanton, trilha de Ry Cooder e roteiro de Sam Shepard.O drama vivido por Travis (Dean Stanton) permeou para sempre meu imaginário. Seu amor por Jane ( Nastassja Kinski) era algo completamente real e ao mesmo tempo impossível, sua tristeza por sabê-lo estava impressa em seus olhos. O clima árido, desértico, vazio tornava tudo muito mais denso , quase insano. Algumas cenas são inesquecíveis, como quando ele a reencontra em um lugar onde ela trabalha e conversam através da cabine. Tão perto, tão longe. Tão real e tão triste. A dor de Travis é de todos.

terça-feira, 26 de agosto de 2014



;E a gente levanta e vai.

Porque parece que chega uma hora

Em que não se trata mais de ainda existir alguma esperança.

Mas sim de não se deixar desistir

Julio Cortázar (via eles-e-eu)

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Mapa do coração ao Sul



Levarei sem pressa o mapa dobrado do coração no bolso

Reinventarei sua cartografia, rasgarei seus caminhos já sabidos

Como se desperta de um sonho



Pisarei bem forte nas linhas quase apagadas para desmanchá-las e poder criar meu novo rumo

Um novo mundo



Verei de perto as tempestades solares



Percorrerei as margens obtusas

Desbravarei os mares

Pularei os hemisférios

Juntarei os oceanos

Inundarei os desertos



Para criar um mapa eterno do coração que leve a todas as partes

Norte, Sul, Leste, Oeste

Sigo seu mar sem bússola

Desenho a pele que esconde todas as cicatrizes

São elas que dominam os territórios selvagens



Me espera

para correr em todas as direções

E na hora em que chegarmos (ou partimos)

Vamos recomeçar de novo

Passo por passo

Para ouvir o som (lembra quando ouvimos baixinho quando voltávamos para casa?)

Do coração ao Sul


Publicado na Revista Ideias - agosto 2014

no horário de luz natural no Pacífico

sexta-feira, 1 de agosto de 2014



(Do amor)

Ama-me. Ainda é tempo. Interroga-me.
E eu te direi que nosso tempo é agora.
Esplêndida de avidez, vasta ternura
Porque é mais vasto o sonho que elabora

Há tanto tempo sua própria tessitura.

Ama-me. Embora eu te pareça
Demasiado intensa. E de aspereza.
É transitória se tu me repensas.

Hilda Hilst

domingo, 27 de julho de 2014

A propósito de ti



As palavras existem fora de ti. Entre os rios e a fala, no céu reflexo de seus olhos,no viés da calça que insiste em desarrumar as meias, no tropeço do paralelepípedo solto da calçada, no gesto distraído de olhar para a rua. As palavras inventaram um amor, escorregaram em suas mãos, caíram no esquecimento. As palavras calaram naquela noite em que a nuvem roubou a lua, em que o vento silenciou seus cílios.

Fecho os olhos.

As palavras surgiram no sonho oblíquo do nosso encontro em que tudo era possível acontecer. Acordo com a febre da tristeza, delírio que me faz desabar cada vez que penso que não está mais ali. A palavra que não foi dita, a aniquiladora vontade de não existir.

O pensar que não cessa o partir. Preciso da palavra para inventar essa fronteira invisível da memória gasta das tuas horas. Queimar a ferro e fogo cada segundo do que tento esmagar com meus dedos o que existiu. Preciso da palavra, letra por letra, para lembrar de mim. Para formar uma narrativa que faça algum sentido, para que não seja em vão. Para que o oceano prolongue a onda, para que o dia que vimos anoitecer pausadamente seja mais uma lembrança, para que a paisagem subtraia a dor.

A palavra dita ao acaso, levada pelo tempo, abafada, pálida, invisível entre os meus espaços em branco. A falta dela quando engasga na garganta, a que despenca pela janela. A que não é dita. Quando se desloca no ar, verbo úmido, como chuva no telhado, feito música. Silêncio no momento que pousei meus olhos nos seus. Não há palavra que valha.

Palavras para medir o que houve algum dia. Para o encontro, para a partida, para que seja memória. Para marcar como cicatriz na pele. O que nos separa dos animais, o que nos aproxima do outro, o que está à margem de tudo, o que nos faz atravessar a ponte.

Grito, como se a palavra não estivesse aqui, para que não me abandone, para seguir essa trilha surda do esquecimento. A palavra, irremediável, cruel, inventada, dita, esquecida.

Para lembrar que o sim é para sempre, a propósito de ti.

sábado, 19 de julho de 2014

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Paisagem na neblina




A neblina nascia pela manhã, cortava as ruas rasteira, para deixar a cidade encoberta até o fim do dia. Tudo lembrava a tela “Impressão: nascer do sol” (1872), de Claude Monet (1840-1926), nome que deu origem ao movimento Impressionista, no século 19, durante a Belle Époque, na França, e exprime estas características: impressão, emoção, percepção. Lembra também a literatura de Mallarmmé e Kerouac, no ritmo distinto de cada escrita.

A cada quadra vem uma música, lembra um verso, aparece uma cena. Hitchcock e David Linch estavam ali, com suas nuances densas, a estética aguçada e cenários impactantes. Nada é tão comovente como ver a cidade dos sonhos. A transgressão de Andy Warhol, Jimmy Hendrix e Janis Joplin ressoava alto como a sua arte. Ideias, pulsação, revolução.

A cidade se amalgama e se reinventa todo dia, em cada espaço, para depois deixar impressa na pele, na retina, no pulso, os acordes e a paisagem surreal, que ora é neblina, cinza, desfocada em brancos, ora é sol escaldante, mar, imagem em super 8. Nítida, viva, carregada de cor.

O vento, ele sempre no presente, agora vem forte, intenso, esparrama ao redor das margens, reinventa outro cenário e não deixa nada no lugar, nem como era antes. A cada segundo, movimento, leveza e a certeza do coração selvagem.

Ouço E.E. Cummings:



“que tal se um nem de um quem de um vento

põe verdades nos falsos verdes

sangra com folhas zonzas o ar

e arranca estrelas do seu lugar?”



Por fim, a neblina se transforma em véu, invade as esquinas e percorre a memória do futuro, e, neste momento, Cummings continua:



“que tal se um sim de um som de um sonho

corta o universo em dois,

descasca sempres de seus sepulcros

e espalha nens entre mim e vós?

Dá hoje ao nunca e nunca ao dobro

(dá vida ao não, dá morte ao foi)

- o nada é só outro imenso lar;

o mais que morre, o demais que é ser”


E encontro um lugar secreto, um imenso lar, onde há apenas sim, som e sonho.


Publicado na Revista Ideias - junho 2014

terça-feira, 17 de junho de 2014



Lhe dou uma eternidade

Que acaba em qualquer instante

Não importa o que as palavras digam

Apenas o que está aqui

Nas linhas da minha mão

Corre nos meus pulsos

Sem soltar

Sol, suor, saliva, sangue

Tenho você para meu mar em mim

Durante a eternidade

Que acaba em qualquer lugar



sexta-feira, 25 de abril de 2014

Sete segundos





Ouve-se o barulho das ondas. A onda vai, bate, recua, volta. Silêncio. Sete segundos.

Barulho, silêncio, recuo. Sete segundos. Tempo que passa na brevidade da memória. Memória inconsolável. Tempo que calculo para tragar um cigarro com fúria, na dose do álcool, na química, no desespero. Naquele instante suspenso, que a noite engole na sua imensa escuridão, a vida se esvai em segundos, precisos, contados, inexoráveis.

Pela janela, vento. Pela tristeza, pesadelo. Pelo sonho, voragem dos teus pensamentos.

São sete segundos da falha, da palavra dita – feroz e aniquiladora –, da arma apontada, da bala que atravessa o crânio, quanto tempo leva para te esquecer, da razão contra tudo, do abandono, refém da sua armadilha, do vício que não larguei porque é impossível viver de lucidez, das linhas marcadas da tua mão, do café que passo toda manhã porque me lembra você, gaiolas com pássaros e peixes furta-cor, do coração partido em mil pedaços desiguais e isso não é metáfora, do corte dos oceanos em degraus submersos, da matemática imprecisa dos gestos, da delicadeza sem fim, daquele amor que um dia aconteceu, da fala, do silêncio, das esquinas batizadas de medo, do trago líquido do esquecimento, da vigília do sono subtraído, dos tigres brancos em volta das árvores, das centenas de fagulhas que escaparam pelo céu, da água que bate na rocha, daquele instante em que se partiu. Anoiteço, para poder sair de mim.

A onda vai, bate, recua, silêncio. Sete segundos. Meus olhos de pássaro voaram para ti.

Para sempre.

terça-feira, 22 de abril de 2014

pelas ruas de sanfran















"Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que vêem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os vêem como loucos, nós os vemos como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo, são as que o mudam."

Jack Kerouac

terça-feira, 4 de março de 2014

por teres ido tão longe
embora sem ter fugido
parece não teres ido

e hoje é como se ontem

como estás fora da vista
a minha imagem de ti
que já está fora de si

segue a tua pista


Marcos Prado

domingo, 23 de fevereiro de 2014



Atravesso a tarde

Tento afastar todos os pensamentos

Tento medir por um espaço de tempo

Nós

O que te espelha


O que sufoca


Ainda submersa

Te encontro nos sonhos



E lá somos felizes

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014





"Oh chega de decepções, estou tão machucada, me doem a nuca, a boca, os tornozelos, fui chicoteada nos rins.

Um sopro de vida."

Clarice Lispector

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014



Apenas aquele espaço, aquele espaço abissal que se formou entre nós. Senão são apenas suas palavras contra as minhas. Sem me entender, recupero minha língua. Invento um idioma para que não me cale, para que me veja inteira e completamente sua.

O dia acabou, a noite veio pesada. Um céu daqueles que só se vê quando a paisagem se despede do concreto. Está sob meus olhos. Na vertigem do meu sonho pairo à beira do rio, capturo de vez seu segundo, seu tempo. Não existe mais a dimensão das horas, da contagem infinita dos números, das frases, das letras. Fica só o que te espelha, decoro na minha matemática abstrata o que diz para mim. Sem entender em absoluto o que te domina.

No cálculo do preciso, resta o que diz suas mãos. Ouço um som distante, envolvido no seu cheiro e saio pelo mundo que não conheço. Percorro seu caminho, seu gosto, seu faro. Quero que a vida acabe assim, um vazio inexorável, um silêncio, um amor sem fim .

Mar alto   Mergulhar em mar alto, sonhar em águas profundas.   Transformar o abismo em ponte para navegar sem turbulência, para prov...