Vive-se este tempo sem hora. Este tempo algoz e insano, este tempo feroz e desumano, este tempo seco e quente, este tempo limite, este tempo para fora. Perdeu-se a metade de tudo, foi-se, acabou, como se acaba tudo a toda hora. Em outro tempo havia calma, esperança, alguma alegria. O profundo não é tristeza, não é miséria e sim abraço, ternura, paisagem, mar, música. Vestir o tempo e costurá-lo com bordados feitos à mão, rendas, segundas peles, cristais. Vesti-lo de lilases, cores, veludos. O tempo feito de delicadeza, de terra molhada, de sabor de chuva.
Tempo cão, tempos vorazes, tempo com olhos de pássaros noturnos, tempo de precisão. Tempo onde o cansaço arrebatou a dor, onde a cavidade dos vãos se transforma em poesia, onde a sua mão pousou na minha.
Tempo de espera, de lágrimas pausadas, de derreter as manhãs, de anoitecer os cílios, de qualquer outra coisa que não seja chão. O chão derrama sangue.
Tempo cravado na pele, tempo gasto, tempo perdido, tempo partido.
Descobrir o tempo sem razão, sem lástima, sem cálculo. Correr atrás deste viés, desta dobra que virou e não se enxerga mais. O tempo dentro da concha quando a encostamos no ouvido, o som do tempo abissal, entrar no labirinto da memória. Enquanto não encontrar, esquecer o tempo que traz dor, sorrir e fazer este tempo ser para sempre.
Publicado na Revista Ideias/dezembro 2014
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