Perceber, com a forma do vazio, o que existe nas palmas das mãos. Ouvir, como se não houvesse música ou ritmo, permitir que a palavra cesse, que o silêncio atravesse os medos, que exista um lugar onde se veja as tempestades e as cores que transformam o céu, onde o vento carregue as dores, onde exista a pausa antes de partir.
Deslizo meus dedos no vidro embaçado pela chuva, faço um desenho, dou as pistas para você conseguir chegar. Através da paisagem molhada, as árvores perdem a exatidão e desequilibram o plano linear.
Escuto o barulho do mar, conto o tempo que as ondas levam para arrebentar. Sete segundos. Tempo onde guardo o fôlego quando respiro fora d’água, tempo que demora os cigarros tragados, a fúria do entardecer, a efêmera delicadeza dos peixes que moram no fundo do oceano. Presságio de um silêncio abissal.
Escrevo sobre meu corpo, vejo as palavras transformadas em sangue, cicatrizes que se tornam a memória bruta dos sonhos, a subtração dos gestos, a simetria dos espelhos, os espaços em branco.
Guardo essa imagem como se fosse um amuleto, em que possa tocar toda vez que me sinta só, que possa me salvar de um rasgo na escuridão, do cansaço dos dias, das fundas incisões marcadas sob a pele.
Deixo um espaço para o silêncio, para recordar que a casa é perto, não longe.
janeiro 2017
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