sexta-feira, 5 de junho de 2015

Magnitude 7.7



Obra de Jackson Pollock


Estavam de frente um para o outro quando houve o estalo. Como quando constroem um prédio muito alto perto de uma casa antiga e vê-se a sombra projetada no chão como um gigante. Só quando estáa uma distância longa percebe-se que aquilo tornou-se avassalador, monstruoso, com uma dimensão incalculada.Depois da demolição, depois do colossal efeito nocivo, depois da devastação na paisagem estática.


O mundo virou de cabeça para baixo.


Cansei de ouvir aquelas palavras, não me diziam nada. Quando você estava perto, destilava seus venenos gota por gota, até consumir todo meu mal. Doses de gelo e delírio.Era uma espécie de morte, dessa que se vai aos poucos, definha-se, transforma-se em pesadelos. Minha pele criou caminhos, fendas, incisões. Apesar disso, ainda pulsava. Não era mais eu, mas uma parte que não queria ver, que não enxergava, que não valia a pena. Que veio à tona com toda a força que lutei para não emergi-la. Mas ali, refletida numa espécie de espelho invertido, estava eu. Cansada, apagada, confusa. Olhei essa imagem para tentar me aproximar de algo que desconhecia,como se fosse alguém desprezível eque rejeitava profundamente. Essa parte sou eu, que você criou, que você atacou ferozmente com seus olhos de cão. Apenas quando me afastei percebi o cenário, após a tempestade, após suas horas na minha memória.


O abalo sísmico revelou a amplitude da devastação.


Reconstruí minhas linhas, a cada mão, refiz meus passos, sonhei novamente com leveza, caí no choro, caí de novo, dancei para mim. Continuei com essa dor, como se traz a cicatriz para perto, para poder vê-la e lembrar de que algo existiu, e que não foi em vão.


Ficaram apenas os arcos das linhas das minhas mãos, da vertigem de olhar ao longe e perceber que existeuma luz que incide na sombra, que um dia algo forte me dissipou, me partiu, me carregou com sua fúria para um país que não existe, todavia não mais o habito.


Inventei um novo idioma, rabisquei no meu corpo um mapa para não errar o caminho, criei uma paisagem solar, dancei no escuro e fechei os olhos num rodopio quase lento, para lembrar de mim.


Publicado na Revista Ideias junho 2015

Mar alto   Mergulhar em mar alto, sonhar em águas profundas.   Transformar o abismo em ponte para navegar sem turbulência, para prov...