Como um animal acossado, que espera em silêncio a hora do ataque, a matemática exata para mover-se, o momento preciso da distração para alcançar a presa, percebo apenas a frequência, a pulsação, o ritmo. A diferença está na frequência. Na frequência cardíaca, na frequência da pausa, na frequência de olhar para as coisas durante o mesmo tempo. O ruído acontece quando este ritmo é mais lento ou acelerado. Principalmente mais alto. Quando se fala mais alto, quando se pensa mais alto, quando se cala mais alto.
Houve um tempo onde existiam répteis alados, pássaros gigantes, dias que são noites, tempestades solares, chuvas de meteoros, cataclismo. A grande colisão causou um outro universo. Inventou-se uma nova vida, humanos surgiram para sobreviver em meio ao caos.
Paisagem invadida de memórias, solos úmidos e um novo idioma. Criou-se a palavra, o sentido da fala, o código central. Subtraiu-se o gesto, a espera, o olhar flechado na mesma direção. O entendimento traduzido pela pele.
O esboço dos primeiros contornos, pálidos, imprecisos, surge na paisagem oceânica das horas da manhã. O sol cai esparramado nas peles curtidas, nem tão acostumadas nem desconhecidas. Imóvel, como se paralisada pela superfície áspera, acompanho o nascimento e o declínio de um dia solar. Ali está apenas o presente, sem futuro nem passado.
Volto ao antigo mundo, onde havia seres fantásticos, cores distintas, pulsação, ritmo, frequência. Na batida do coração, reinvento o idioma, respiro no silêncio, espero entre as frestas a hora certa para correr.
Publicado na Revista Ideias janeiro/2015